[Thaís Diz] - A despedida do escritor
Thaís Cabral Leocádio
quando um escritor se vai
eu fico triste, muito triste
mas a tristeza passa rápido
por saber que quem escreve não morre de verdade
sempre fica um pedacinho dele
na tinta colada no papel
ora gasto, sujo, marcado a lápis
ora imaculado nas prateleiras das livrarias
ora nas estantes das bibliotecas
onde um estudante esqueceu o bilhete do cinema
ou o papel da bala que ganhou do amor
o escritor vivo fica em outras linguagens
que se inspiraram na obra dele
fica vivo na lembrança
de quem se apegou aos personagens
e no carinho da criança que pega o livro
por acaso e descobre a história de 73
com olhar de novidade
sem saber que naquele ano
nem mesmo sua mamãe havia nascido
a saudade fica dolorida
para quem conheceu a pessoa atrás do escritor
que dizia palavras nem sempre trabalhadas
que pintava de cores descombinadas
os pijamas, as saladas e as dores
no dia a dia
para aqueles que conheceram um só lado do escritor
a saudade pode ser curada
virando uma página
escolhendo um marcador
olhando para o quintal e rememorando versos
talvez ligando na tomada
o leitor digital de vida
olhando para o que foi feito
de caneta e lápis-de-dor
quando um escritor se vai
eu fico triste, muito triste
por pensar que ele talvez
não tenha ficado sabendo
que no criado-mudo de muitos quartos
uma obra sua
em capa mole
cheia de orelhas
e ácaros
repousa a paz que o espírito humano
precisa experimentar antes de dormir
o escritor fica vivo
até nas linhas que deixou de escrever
porque quem passa por aqui
exalando poesia e arte
consegue um jeito - queria saber como! -
de continuar pulsando
como uma tatuagem em papel pólen
agarrada na memória
Ângela Lago, 1945-2017 |
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